quarta-feira, 12 de junho de 2013

Criador da escola histórica jurídica - defensor da teoria que o Direito nasce dos costumes

Friedrich Carl von Savigny (Frankfurt am Main, 21 de fevereiro de 1779Berlim, 25 de outubro de 1861) foi um dos mais respeitados e influentes juristas do século XIX.

Vida

Savigny era de uma família que teve seu nome ligado à história da Lorena, derivando seu nome do castelo de Savigny perto de Charmes no vale do rio Mosela. Quando ficou órfão aos treze anos de idade, Savigny foi criado por um tutor até, que em 1795, ele entrou para a Universidade de Marburg para estudar Direito, onde teve como professores Anton Bauer, um dos mais notáveis pioneiros da reforma do Direito penal alemão, e Philipp Friedrich Weiss, destacado por seu conhecimento em Direito medieval. À maneira dos estudantes alemães, Savigny freqüentou diversas universidades, notadamente a Universidade de Jena, a de Leipzig, a de Göttingen e a de Halle; e retornou a Marburg, onde se doutorou em 1800. Em Marburg ele lecionou, como Privatdozent, Direito penal e a Pandectas. Dentre seus alunos estavam, entre outros, os Irmãos Grimm. Ele exerceu grande influência em suas posteriores carreiras.

Publicações e pesquisas

Em 1803 publicou seu famoso tratado, Das Recht des Besitzes ("Tratado da Posse"). Foi imediatamente saudado pelo grande jurista Thibaut como sendo uma obra-prima; e o tradicional estudo do antigo Direito Romano estava por terminar. Obteve uma rápida aceitação européia e ainda permanece sendo um marco na História do direito. Em 1804 Savigny casou com Kunigunde Brentano, conhecida por Gunda, a irmã de Bettina von Arnim e Clemens Brentano, o poeta. No mesmo ano iniciou uma demorada viagem pela França e sul da Alemanha à procura por novas fontes do Direito romano. Nessa busca, ele obteve especial êxito em Paris.
Em 1808 foi designado pelo governo bávaro para ser o professor de Direito civil romano em Landshut, onde permaneceu um ano e meio. Em 1810 foi chamado, sobretudo pela indicação de Wilhelm von Humboldt, para ocupar a cadeira de Direito romano na nova Universidade de Berlim. Lá, uma de suas tarefas foi a de criar, em conjunto com a faculdade de Direito, um "Spruch-Collegium", um tribunal extraordinário competente para emitir opiniões em casos encaminhados a ele pelos tribunais ordinários; e ele teve uma ativa participação em seu trabalho. Este foi o tempo mais ocupado de sua vida. Estava ocupado em dar aulas, em administrar a Universidade (onde era o terceiro reitor), e como preceptor do príncipe regente em Direito romano, penal e prussiano. Uma conseqüência importante de sua permanência em Berlim foi sua amizade com Niebuhr e Eichhorn. Em 1814 nasceu o seu filho Karl Friedrich von Savigny, que mais tarde se tornaria um diplomata e político prussiano. No mesmo ano surgiu seu panfleto Vom Beruf unserer Zeit für Gesetzgebung und Rechtswissenschaft (A vocação do nosso tempo para a legislação e jurisprudência), nova edição em 1892. Foi um protesto contra a procura pela codificação e foi interpretado como uma resposta ao panfleto de Thibaut, que pedia a criação urgente de um código de leis para a Alemanha que estivesse livre das influências de outros sistemas de leis estrangeiros. Neste famoso panfleto, Savigny não se opôs à introdução de novas leis, ou mesmo de um novo sistema de leis, mas só contestou a codificação proposta em dois fundamentos:
  1. que o dano que havia sido causado pela negligência de gerações anteriores de juristas não poderia ser instantaneamente reparado, e que seria necessário um tempo para colocar a casa em ordem;
  2. que havia um grande risco do então chamado Direito natural, com sua "infinita arrogância" e sua "filosofia barata" arruinar tal esquema.
A importância duradoura desse panfleto é que ele salva o direito das vãs abstrações tais como as da obra Institutiones juris naturae et gentium de Christian Wolff e provou que um estudo histórico do Direito positivo era um pré-requisito para o correto entendimento da ciência de todo o Direito.
Friedrich Carl von Savigny
Em 1815 Savigny fundou, com Karl Friedrich Eichhorn e Johann Friedrich Ludwig Göschen, o Zeitschrift für geschichtliche Rechtswissenschaft (Revista para a história da ciência do direito), o órgão da nova escola histórica, da qual ele foi o principal representante. Neste periódico (vol. iii. p. 129 seq.) Savigny deu a conhecer ao mundo a descoberta em Verona, Itália, por Niebuhr, do texto perdido de Gaius, declarando-o, após avaliação da parte do manuscrito que lhe foi entregue para análise, como sendo um trabalho de Gaius e não de Ulpiano, como Niebuhr havia sugerido.
O registro do resto da vida de Savigny consiste de pouco mais de uma lista de merecidas homenagens que ele recebeu das mãos de seu soberano e dos trabalhos que ele publicou com infatigável disposição. Em 1815 surgiu o primeiro volume de sua Geschichte des römischen Rechts im Mittelalter (História do direito romano na Idade Média), sendo o último volume publicado em 1831. Este trabalho, que havia sido sugerido anteriormente por seu antigo mestre Weiss, pretendia originalmente ser uma história literária do Direito romano a partir de Irnerius até os tempos atuais. Seu projeto foi em alguns aspectos reduzido e em outros ampliado. Ele não passou, na sua narrativa, além do século XVI, quando a divisão de nacionalidades perturbou as bases da ciência do Direito.
A sua abordagem do tema não foi meramente bibliográfica; foi filosófica. Revelou a história do Direito romano, desde o fim do Império até o início do século XII e mostrou como, apesar de considerado morto, o Direito romano sobreviveu nos costumes locais, nas cidades, nas doutrinas eclesiásticas e no ensino das escolas, até que ressurgiu, uma vez mais, com todo o seu esplendor em Bolonha e em outras cidades italianas. Esta história foi a principal fonte de muito dos valiosos trabalhos nos quais Savigny publicou o resultado de suas investigações. Em 1817 ele foi designado membro da comissão para a organização dos estados provinciais prussianos e também membro do departamento de justiça do Staatsrath e em 1819 se tornou membro da Suprema Corte de Apelação para as Províncias do Reno. Em 1820 foi feito membro da comissão para a revisão do código de Direito prussiano.
Em 1822 uma séria doença nervosa o atacou e ele foi obrigado a fazer uma viagem para poder descansar. Em 1835 começou a elaborar seu trabalho sobre Direito romano contemporâneo, System des heutigen römischen Rechts ("Sistema do direito romano atual" em 8 vols., 1840-1849). Por este trabalho ele foi considerado o fundador do moderno Direito internacional privado. O oitavo volume do "Sistema do direito romano atual" pode ser considerado como o tratado que mais influenciou o desenvolvimento da matéria.
Sua atividade como professor foi encerrada em março de 1842, quando foi designado "Grosskanzler" (Grão-Chanceler), o título dado por Frederico, o Grande em 1746 para o funcionário na direção do sistema jurídico da Prússia. Nesta posição ele executou várias reformas importantes no Direito com relação a letras de câmbio e divórcio. Se manteve no cargo até 1848, quando então renunciou, para o pesar de seus amigos, que o consideravam além de notável jurista, um grande estadista.
Em 1850, por ocasião do jubileu de seu doutorado, surgiu em cinco volumes o seu Vermischte Schriften, consistindo de uma coleção de seus trabalhos secundários publicados entre 1800 e 1844. Este evento deu origem a uma série de homenagens por toda a Alemanha ao "grande mestre" e fundador do Direito moderno. Em 1853 publicou seu tratado sobre Obrigações (Das Obligationenrecht), um suplemento para o seu trabalho sobre o Direito romano moderno, no qual claramente demonstra a necessidade pelo tratamento histórico do Direito. Savigny morreu em Berlim. Seu filho, Karl Friedrich von Savigny (1814-1875), foi um ministro prussiano de relações exteriores, em 1849. Ele representou a Prússia em importantes transações diplomáticas, especialmente em 1866.
Savigny pertence à então chamada escola histórica de juristas, entretanto não pode ser considerado como seu fundador, uma honra que pertence a Gustav Hugo. Na história do Direito, os maiores trabalhos de Savigny estão em Recht des Besitzes e em Beruf unserer Zeit für Gesetzgebung acima mencionados. O Professor Jhering diz: "Com o Recht des Besitzes o método jurídico dos romanos foi recuperado e nasceu o Direito moderno”. Ambos constituíram um grande avanço nos resultados e métodos, e tornaram obsoleta uma vasta literatura. Savigny buscou provar, que no Direito romano, posse tem sempre relação com "usucapião" ou com "interdições"; que não há um direito à continuidade da posse, mas apenas para a imunidade da interferência; a posse que está baseada na consciência do poder ilimitado.
Estas e outras proposições foram mantidas com grande sagacidade e inigualável ingenuidade de interpretação e harmonização pelos juristas romanos. A controvérsia que foi conduzida na Alemanha por Jhering, Baron, Gans e Bruns mostra que muitas das conclusões de Savigny não foram aceitas. O Beruf unserer Zeit, expressa a idéia, desconhecida em 1814, que o Direito é parte e parcela da vida nacional, e combate à noção, demasiadamente aceita pelos juristas franceses, especialmente no século XVIII e continuada na prática por Bentham, que o Direito deve ser arbitrariamente imposto a um país independentemente de seu grau de civilização e passado histórico. Ainda mais valioso que seus serviços na consolidação da "escola histórica do Direito" é o enfático reconhecimento em seus trabalhos do fato de que a prática e a teoria do Direito não podem estar divorciadas sem que se cause prejuízo para ambas.
Del Vecchio (1972, v.I, p. 207-209) nos conta que a chamada "polêmica Thibaut Savigny" polarizou a discussão, na Alemanha do século XIX, sobre a necessidade e conveniência da formação de um código, que sistematizasse em um diploma legal um direito civil unificado para todos os Estados Alemães. Thibaut era filiado à escola jusracionalista e comungava o pensamento de que o homem, pelo exercício da razão e valendo-se de idéias inatas, seria capaz de deduzir princípios e normas de validade universal, o direito natural.
Thibaut, no livro, de 1814, intitulado “Da necessidade de um Direito Civil Geral para a Alemanha”, defende a criação, de um código que substituísse os múltiplos ordenamentos existentes nos diversos Estados que compunham a Alemanha na época. Thibaut, em defesa de sua tese, apontava os inconvenientes políticos e comerciais decorrentes das disparidades existentes entre as leis e costumes dos Estados alemães e destacava o benefício que a instituição de um direito unificado traria para a ampliação do sentimento de unidade nacional.
Thibaut acreditava que a criação de um código alemão seria passo fundamental para a unificação da Alemanha, unificação essa que ocorreu, somente em 1871, sob a égide de Otto von Bismarck. Arruda (1942, v. I, p 116,117) nos conta que Thibaut era contrário a aplicação do Direito Romano ao povo germânico, por considerá-lo desconhecido do povo comum e pelo fato de que o gênio romano seria demasiadamente diverso do germânico, sendo portanto a aplicação de uma legislação estrangeira ao povo alemão. Lessa (2002, p 281) aponta que Thibaut era contrário à idéia de que o direito seria essencialmente mutável e determinado pelas condições históricas. Declara-se, em favor da universalidade e imutabilidade do direito, e afirma que “é próprio do direito triunfar dos hábitos, dos costumes e das inclinações dos homens”. Thibaut supunha a existência de um direito racional ou natural, que seria ideal e adequado para todos os povos e todos os tempos e que se deveria conhecê-lo para aperfeiçoar o direito positivo das nações.
Del Vecchio (1972, v.I, p. 208-209) explica que motivado pelo citado livro de Thibaut, Savigny, também em 1814, publica a obra “Da vocação de nosso tempo para a legislação e a jurisprudência”. Nesse escrito Savigny declara-se contrário à proposta de codificação do direito alemão. Ele acreditava que os costumes do povo seriam a fonte primária do direito e expressão imediata da consciência jurídica coletiva. Enquanto Thibaut acredita num direito que é anterior ao homem, ideal, e eterno, Savigny destacava seu caráter cultural, produto historicamente construído pelas gerações de cada povo.
No início da Vocação, Savigny (1946, p 43-45) observa que o direito sempre se reveste de características peculiares ao povo a que pertence, assim como a língua, seus costumes e constituição política. Ele destaca que esses fatos culturais mostram-se a nós, apenas aparentemente, como realidades distintas, mas que são manifestação daquilo que há de comum ao povo, a força que os une, suas convicções comuns, estando intimamente ligadas e inter-relacionadas. Seriam diferentes facetas de uma mesma realidade. Ele chama atenção para o fato de que as diversas manifestações culturais desenvolvem-se associadamente e extraem suas características do caráter do povo a que pertencem ou, utilizando o termo criado por Savigny, do espírito do povo (Volksgeist).
Fundamentando a teoria de Savigny e da Escola Histórica sobre a natureza e fontes do direito, está o conceito do espírito do povo. Este seria o elemento de união entre os membros de uma nação, o vínculo que os fazem sentir-se como partes integrantes de um conjunto, de uma unidade orgânica, de um povo. Del Vecchio (1972, v. I, p. 209) ensina que a Escola Histórica do Direito compreende as diversas manifestações culturais como Direito, Moral, Arte e Linguagem ao mesmo tempo como frutos e componentes do espírito do povo. Esse espírito foi concebido como um elemento dinâmico, em constante transformação, a ter seu desenvolvimento influenciado pelo exercício dos fatos sociais ao mesmo tempo em que confere os traços comuns das diversas manifestações culturais de um povo. Groppali (1926, p 188) explica que o espírito do povo não deve ser entendido como uma “entidade extra-individual, que existe objetivamente, exterior e superiormente às consciências dos indivíduos”, mas como fruto das relações que se estabelecem entre pessoas com cultura, aspirações e ideais comuns. Seriam os traços culturais comuns dos membros de um mesmo povo, que o distingue de outros. Esse elemento comum é repassado entre as gerações pela tradição, influenciando as consciências individuais e objetivando-se nas instituições sociais.
Savigny explica que os povos, na sua juventude, não têm desenvolvimento da língua e das idéias, entretanto seus valores fundamentais estão fortemente presentes na consciência de cada indivíduo. Ele salienta que, nessa época, a nação não dispõe do desenvolvimento intelectual necessário para a condensação de valores em cânones por meio da palavra. Então, o direito retira sua força e vigor de atos e rituais simbólicos que sacramentam para toda a comunidade o certo e o errado, o moral e o imoral, o jurídico e o antijurídico. Nesse período o direito está presente na consciência de cada indivíduo de maneira mais marcante. Há, então, menor complexidade do direito, tanto no âmbito teórico quanto na aplicação, de maneira ele se mostra, cotidianamente a toda população, objetivado em atos solenes, locais e artefatos. Nesses primórdios da nação, o direito, segundo Savigny, pulsa com muito mais força em cada indivíduo.
Ele observa que essa relação de dependência entre o direito e o espírito do povo conserva-se mesmo com o progresso do povo, de sua língua e capacidade abstrativa. Segundo Savigny salienta, à medida que o povo se desenvolve, ocorre especialização de funções e à classe dos juristas é delegada a função da elaboração e aplicação do direito, que torna-se cada vez mais complexo e uma área do saber cada vez mais peculiar. Ele explica que, a partir de então, o direito, além de viver na consciência do povo, passa a sofrer a elaboração científica dos juristas, que se tornam os representantes do povo nessa matéria. Daí em diante, o direito torna-se cada vez mais complicado e artificioso, sem, entretanto, desligar-se da consciência coletiva, de onde retira sua força motriz.
Del Vecchio (1972, v. I, p. 209) destaca que a idéia de “consciência jurídica popular”, ou espírito do povo foi cunhada a partir das concepções do idealismo objetivo de Schelling e Hegel. A Escola Histórica do Direito defende que todo povo possui um espírito próprio, formado pelas noções, valores e cultura comuns aos indivíduos de um dado povo. É evidente a influência da idéia de alma do povo na formulação do conceito de espírito do povo de Savigny. São noções bastante semelhantes, divergindo fundamentalmente no fato de que para Schelling e Hegel, a alma do povo seria desdobramento da alma universal. Para esses autores, os povos, ao longo de sua história descobrem e realizam idéias absolutas que passam a integrar sua cultura e tradição. Assim, as diferentes culturas refletiriam os diferentes percursos históricos dos povos em direção ao conhecimento do ser em si e realização do absoluto. Elas seriam reflexos das descobertas ideais e concretização destas no plano material no caminhar histórico de cada povo.
Em verdade, observam-se essas noções de alma do mundo e alma do povo na maioria dos pensadores românticos. Meinecke (1943, pp 321) destaca a influência do pensamento organológico de Herder nessa busca romântica pela “semente que tornou possível a produção das artes e das ciências em cada povo.” Solari (1950, v2, pp 148–151) aponta que as semelhanças entre as concepções de Savigny e Schelling deve-se menos a uma influência direta deste naquele do que das novas tendências de pensamento da época em que viveram.
Para Savigny, entretanto, o espírito do povo não é reflexo da influência de uma alma do mundo em determinada cultura, mas é fruto do desenvolvimento histórico gradual e do vínculo existentes entre os componentes de um mesmo universo cultural. Savigny não reveste o conceito de espírito do povo dessa roupagem metafísica e cósmica dos sistemas de Schelling e Hegel. Em seu entendimento o espírito do povo é a consciência coletiva, formada pela língua, costumes, cultura, religião, direito e moral do povo. Na falta de um termo mais adequado, poderíamos dizer que, divergindo do Idealismo Objetivo, a visão de Savigny do universo cultural tem um caráter “sociológico” ou materialista. Ele acredita que o processo de desenvolvimento histórico está sujeito às suas próprias leis, que extraem seu fundamento desse mesmo processo e não de causas metafísicas. Carl Joaquim Friedrich (1965, p 157, 158) Afirma que os representantes da Escola Histórica “trataram os espíritos nacionais como entidades fechadas em si mesmas, sem qualquer sujeição ao espírito universal”.
Mas como explica Solari (1950 v II, p 113) Savigny não se preocupou em compreender as relações da providência com o direito por uma opção deliberada. Ele buscou estudar o universo jurídico restrito ao mundo humano, deixando a resposta das questões últimas para serem respondidas pela religião.
Arruda (1942, vI, p 119, 120) noticia que Savigny identifica no direito três elementos distintos, que combinados dariam corpo à totalidade do fenômeno jurídico. O primeiro seria o elemento popular, político ou consuetudinário, que se constitui pelos costumes. Savigny também denomina esse elemento de direito natural, talvez numa postura de confrontação com os jusnaturalistas, buscando enfatizar que, se há algum direito natural, esse é o que brota do seio das tradições de dada comunidade. Conforme afirma Lessa (2002, p. 286), para Savigny, “os usos e costumes constituem a mais pura revelação, o órgão genuíno do direito.”
O segundo seria o elemento técnico, composto pelo trabalho dos jurisconsultos, o quais ele considera como os mais competentes para conhecer o direito e proporcionar sua evolução gradual pelo exercício da ciência jurídica.
Nesse sentido trazemos a colação o seguinte trecho da Vocação:
“com o progresso da civilização, as tendência nacionais tornam-se cada vez mais distintas, e aquilo que de outro modo teria permanecido comum, torna-se próprio de certas classes; os juristas tornam-se cada vez mais uma classe diferente; o direito aperfeiçoa sua linguagem, toma uma direção científica e, tal como em tempos passados existia na consciência da comunidade, agora se desenvolve nos juristas que, assim, neste departamento, representam a comunidade. Daqui por diante, o direito é mais artificial e complexo, posto que tem uma vida dupla; primeiro, como parte da existência agregada da comunidade, que não cessa de ser; e em segundo lugar, como um ramo distinto do conhecimento nas mãos dos juristas. Todos os fenômenos posteriores podem ser explicados pela cooperação daqueles dois princípios de existência; e pode-se entender agora como até mesmo o todo desse imenso detalhe podia surgir de causas orgânicas, sem qualquer emprego da vontade arbitrária ou intenção. No interesse da concisão, chamamos a ligação do direito com a existência geral do povo, falando tecnicamente, de elemento político; e a distinta existência científica do direito de elemento técnico.” (Da Vocação do nosso Tempo para a Legislação e a Jurisprudência, traduzido por Abraham Hayward, publicado por Littlewood e Co., Londres, 1831, apud Morris, 2002, p. 290)

O Terceiro elemento do direito seria o elemento legal, composto pela legislação, que teria função declarativa. Savigny (1946, p 52) sustenta que o direito se origina da dinâmica entre o primeiro e segundo elementos e que a legislação deveria apenas esclarecer pontos obscuros dos costumes ou questões não pacificadas pela doutrina, sob os quais pairasse incerteza. Portanto a legislação, em seu entendimento, não deveria jamais ir contra o espírito do povo e instituir um costume ou princípio que já não existisse na tradição. Savigny cita como exemplo a fixação de prazos prescricionais como algo a ser definido pela lei, sendo que o legislador deveria buscar o verdadeiro direito, ou seja, a interpretação ou opinião mais condizente com o espírito do povo para solucionar dúvidas pela promulgação de uma lei. Em sua opinião, as questões jurídicas realmente fundamentais deveriam ser determinadas pela interação da ciência do direito com os costumes do povo.
Del Vecchio (1972, v. I, p. 209, 210) explica que, em decorrência dessas concepções, a lei, para Savigny, teria uma função apenas secundária na produção do direito, podendo muitas vezes ser danosa, em virtude de seu poder para imobilizar o direito e insensibilizá-lo às mudanças sociais que naturalmente ocorrem ao longo da história de uma nação. A concepção voluntarista do direito foi combatida por Savigny. Em seu entendimento, o direito é produto espontâneo da cultura, que se origina do espírito do povo, manifestado nos usos e costumes e no trabalho dos jurisconsultos. Dessa forma a noção do direito como ato de vontade do legislador incompatibiliza-se com a visão da Escola Histórica.
Nesse sentido, Savigny diz o seguinte:

“...Se, em algum momento, uma tendência decidida e recomendável for distinguível no espírito público, ela pode ser preservada e confirmada pela legislação, mas não produzida por ela; e onde ela falta por completo, toda tentativa que venha a ser feita para estabelecer um sistema exaustivo de legislação apenas aumentará a incerteza existente e se somará às dificuldades da cura...” (Da Vocação do nosso Tempo para a Legislação e a Jurisprudência, traduzido por Abraham Hayward, publicado por Littlewood e Co., Londres, 1831, apud Morris, 2002, p. 295)

Savigny afirma que a codificação promove o engessamento do direito, paralisando-o no tempo, o que dificultaria a atuação das forças históricas e da consciência coletiva para o aprimoramento do ordenamento jurídico. Groppali (1923, p 181) ensina que Savigny chama a atenção para o caráter mutável do direito, para sustentar que a codificação seria prejudicial à evolução do direito, pois em seu entendimento, cristaliza determinado momento histórico, na forma de legislação, dificultando, para as gerações vindouras, o desenvolvimento das instituições e institutos, à medida que a sociedade apresente novas demandas e valores.
Del Vechio aponta o seguinte o paralelo entre direito e língua comumente utilizado pelos defensores da Escola Histórica do Direito para explicar a natureza dinâmica do direito. Segundo essa Escola, o Direito, assim como a linguagem, surge e se desenvolve espontaneamente, no seio da vida em comunidade. Os gramáticos não criam os princípios e regras gramaticais, mas apenas os identificam e fixam-nos. Analogamente, o Direito não é criação do legislador, e sim fruto da atuação instintiva e quase inconsciente do espírito do povo em movimento. Após determinado costume estar arraigado na consciência jurídica coletiva é que viriam os juristas a identificá-la nos costumes, refinando sua aplicação e sintonizando-a com os institutos vigentes e com o espírito do povo, do qual seriam uma espécie de guardiões. Somente após o labor dos juristas é que viria, então, o legislador criando a lei, declarando o que foi definido pela ciência jurídica (1972, v. I, p. 209).
Na época de Savigny, o chamado direito civil alemão comum baseava-se nos livros de Justiniano que foram adaptados às peculiaridades do povo germânico e de seu direito pré-existente pelos juristas letrados alemães, fenômeno que ficou conhecido como recepção do direito romano.
Havia, então, um movimento contrário à presença desses elementos romanos no direito alemão. Seu argumento principal era que a dedicação extrema dos juristas alemães ao estudo dos textos romanos impedia o desenvolvimento do direito saxônico, constituindo fato que se opunha à nacionalidade alemã.
A esse respeito, Savigny destaca que aos povos modernos não foi facultado um desenvolvimento completamente autônomo e livre de influencias estrangeiras. Ele salienta que, assim como ocorre nas artes, na língua e religião, o direito está sujeito a essas influencias. Por essa razão ele considera que não deve ser motivo de assombro o fato de o um direito estrangeiro constituir o direito civil comum de outra nação.
Ele explica que sem o direito romano teria sido inviável o desenvolvimento ininterrupto do direito alemão. A instabilidade política, migrações e revoluções violentas constantes impediriam que o direito das tribos germânicas pudesse encontrar um ponto central fixo para que se desenvolvesse. Savigny salienta que, quando o feudalismo foi organizado por completo na Alemanha, quase todos os traços culturais das antigas tribos saxônicas foram apagados. Nesse momento, o direito romano foi o elemento fixo a partir do qual o direito alemão desenvolveu-se. Devido a esse desenvolvimento interligado, ele observa que seria impossível compreender o direito municipal sem que se remetesse às fontes romanas do direito comum. Savigny entende que não havia que se falar de um direito saxônico puro, pois o direito romano era elemento constitutivo do direito alemão, assim como não podemos desejar extirpar da língua portuguesa suas influencias árabes, pois são justamente essas influências associadas a outras às quais nossa língua foi sujeita durante seu desenvolvimento é que a tornaram o português.
Além desse fator, que por si só justificaria o cultivo dos estudos romanísticos na época de Savigny, havia outro que ele considerava igualmente importante. Savigny via o direito romano como um modelo excelente de desenvolvimento do direito. Essa excelência deve-se ao fato de ser o “direito de um povo grande, de longa vida, o qual teve um desenvolvimento perfeitamente nacional e não interrompido e que foi administrado com zelo verdadeiramente religioso em todos os períodos de sua história (1946, p 62).” Outro aspecto ao qual Savigny atribui a grandeza do direito romano é a profunda relação existente entre teoria e prática ao longo de seu desenvolvimento. Suas considerações sobre essa questão são bastante esclarecedoras, razão pela qual as trazemos à cola o seguinte de trecho da Vocação:
“E realmente, se é certo, como o é, que o direito não tem uma existência por si, mas se realiza na vida do homem, considerada em certo aspecto, sempre que a ciência do direito se separa deste seu próprio objeto, se encaminhará por vereda completamente arbitrária, sem ser guiado por uma clara intuição dos princípios, alcançando um alto grau de construção formal, mas sem base verdadeira na realidade. Neste ponto se distingue principalmente o método dos jurisconsultos romanos. Quando têm que considerar um caso de direito, parte da viva intuição deste, e diante de nós se desenrola pouco a pouco e plenamente, como se tal caso devesse ser o ponto inicial de toda a ciência, que do mesmo deva deduzir-se. Deste modo, não há para eles uma distinção clara entre a teoria e a prática: a teoria é levada à mais imediata aplicação e a prática é sempre levada à altura do processo científico.” Em cada teorema fundamental vê-se a um mesmo tempo um caso de aplicação, da mesma forma que em todo caso prático se descobre a regra que o informa, revelando a maestria na facilidade com que passam do geral ao particular e vice-versa.”[3]

Esse aspecto do direito romano é, no entendimento de Savigny, o modelo ideal de desenvolvimento do direito, elaborado pelos juristas, por meio da prática judiciária. Ele desejava que a Alemanha tivesse seu direito baseado num sistema em que prevalecesse a elaboração doutrinária, ao contrário do modelo francês, que era baseado na legislação. Na valorização desse aspecto do direito romano, está implícita a defesa de Savigny do direito como direito dos professores (professorenrecht), de caráter predominantemente doutrinário e consuetudinário.
Savigny erigiu-se contra o dogma da onipotência do legislador, questionando a legitimidade deste para criar leis que não se harmonizassem com os costumes e tradições seculares do povo ou que intentassem instituir novos costumes. Esse autor criticou a Escola da Exegese por reduzir o papel do jurista a mero aplicador da legislação posta, como um autômato. É interessante lembrar que, na época do surgimento do Código de Napoleão, as faculdades de direito, na França, passaram a denominarem-se faculdades de lei, o que reflete a concepção da Escola da Exegese sobre o papel do estudioso do direito. Para essa corrente, não importa, ao juiz saber o que é o direito, mas apenas qual é o direito declarado pela lei, instrumento legitimamente construído que traduziria e carregaria em si a vontade popular. Eis o jurista para a Escola da Exegese: técnicos do direito, aplicadores da lei, autômatos, pelo menos segundo o supunham.
Savigny era radicalmente contrário a essa visão da ciência do direito. Uma das razões de sua oposição à criação de um código para a Alemanha é a de que idéias como as propaladas pela Escola da Exegese ganhassem força em seu país. Sua conseqüência, segundo afirma, seria o enfraquecimento da ciência jurídica, que deixaria de buscar o direito nos usos e costumes e na doutrina para estudar exclusivamente a obra codificada. Lacambra (1953, p 84) destaca essa opinião de Savigny de que “um código, culminação do intelectualismo jurídico, implica fatalmente um colapso da fecundidade jurídica criadora e um predomínio da exegese, à margem de toda preocupação verdadeiramente científica”
Savigny atribui um papel mais relevante e nobre à ciência do direito do que a Escola da Exegese. Ele vê o jurista como portador da consciência jurídica coletiva, capaz para purificar a matéria bruta existente nos costumes, identificando sua origem, evolução e função ao longo da história para transformá-la em normas. Nos dizeres de Lopes (2006, p 95):
“No Romantismo, o compositor pode ser visto como um herói. Para a mais romântica das correntes de pensamento jurídico, a Escola Histórica, este era o papel reservado ao doutrinador, ao estudioso, ao homem de escola: a ele cabia ouvir o espírito do povo (Folkgeist) e perceber a dimensão do direito que, diferida no tempo ilimitado da tradição, poderia ser recuperada na conjuntura cultural que lhe era contemporânea.”

Dessa forma, o jurista, esse estudioso das tradições e costumes, teria a função de preservar a fidelidade das instituições jurídicas ao espírito do povo, bem como propiciar seu desenvolvimento gradual.
Groppali (1923, p 181) explica a opinião de Savigny contrária à criação de um código para a Alemanha, segundo a qual, com o passar dos anos e a conseqüente modificação do espírito do povo, quanto mais este se distancia dos valores positivados no código, maior torna-se o arbítrio conferido aos juízes. Isso ocorreria porque com o passar do tempo, situações não previstas pelo codificador seriam, cada vez mais, submetidas a juízo, ficando a cargo do magistrado a integração do ordenamento conforme a solução ele entendesse ser a mais harmônica com a sistemática do código.
Na obra Da Vocação, Savigny afirma que o Direito das nações jovens, assim como sua língua e costumes, já manifestam um caráter peculiar ao próprio povo, que se mantém unido por suas convicções comuns, a consciência de uma necessidade interior. Ele repudiava a noção de uma origem acidental e arbitrária como propalado pela idéia do surgimento do Estado por meio de um pacto social, defendida pelos iluministas e racionalistas. Ele assevera que os fenômenos culturais não têm existência separada, mas refletem a consciência do povo, manifestada em aspectos distintos de sua existência cultural.
Ele salienta que a lei, assim como a língua, está sempre sujeita ao desenvolvimento permanente e que, sob a mesma lei da necessidade interior, o direito cresce com o desenvolvimento nacional, se fortalece com a força do povo, e por fim definha quando a nação perde sua nacionalidade.

“... Bacon pedia que a era em que um código fosse formado sobrepujasse eras precedentes em termos de inteligência... Em tempos bem recentes, os oponentes do direito romano têm, com freqüência, dado ênfase especial a argumentos como os seguintes: ─ A razão é igualmente comum a todas as nações e eras, e como temos, além disso, a experiência de tempos anteriores a que recorrer, tudo que fizermos deve infalivelmente ser melhor do que tudo que foi feito antes. ─ Mas até mesmo essa opinião, de que toda era tem uma vocação para tudo , é um preconceito do tipo mais perigoso. Nas belas-artes somos obrigados a reconhecer o contrário; por que relutamos em fazer a mesma confissão em relação ao governo e ao direito?... (pág 295 os grandes filósofos do d)

Groppali (1923, p 181) ensina que Savigny chama a atenção para o caráter mutável do direito, sustentando que a codificação seria prejudicial à evolução do direito, uma vez que cristalizaria determinado momento histórico, na forma de legislação, dificultando, para as gerações vindouras, o desenvolvimento das instituições e institutos, à medida que a sociedade apresentar novas demandas e valores.
Savigny considerava que a Alemanha não estava suficiente madura para que produzisse um código legal. Amparado na citação de Bacon acima exposta, (1946, p 55, 56) ele afirma que a criação de um código só deferia ser realizada em caso de extrema necessidade e que o momento para tal seria única e exclusivamente o do apogeu do povo.
Segundo ele explica, a criação de um código na juventude da nação, impediria a reformulação e o desenvolvimento dos conceitos e institutos jurídicos, paralisando a evolução do direito. Assim, enquanto tal código perdurasse, a nação seria privada da possibilidade de refinar seus institutos jurídicos. Ele aponta também o inconveniente de que, nessa época, apesar de a intuição do direito ser vigorosa, a linguagem e a capacidade abstrativa não estão bem desenvolvidos, o que pode dificultar a adequada positivação desse sentimento jurídico presente em todos os membros do povo. Savigny pondera que o que dá à obra dos juristas o caráter científico é a capacidade para relacionar princípios e teoremas jurídicos para achar em cada caso concreto a solução mais justa. Dessa forma, a promulgação de um código numa época em que a ciência jurídica não esteja suficientemente desenvolvida, pode entrevar seu progresso. Isso ocorreria porque, uma vez instituído, o código tornar-se-ia o centro das atenções e debates jurídicos, o que terminaria por distrair os juristas da verdadeira fonte do direito, qual seja, os costumes e o seu estudo pela ciência jurídica.
Da mesma forma, ele considera inapropriada a formulação de um código no período de decadência de um povo, pois, nesse caso, seriam cristalizadas as idéias deturpadas e princípios da era decadente, alterando o glorioso legado deixado pelas gerações passadas, o que aceleraria a decadência e terminaria por destruir completamente o povo e seu espírito.
Por essas razões, Saviny entendia que só no apogeu de uma civilização, época em que o espírito do povo, os elementos sociais e o direito encontram-se plenamente desenvolvidos, poderiam ser criados códigos. Ele afirmar que tal época poderia formular um código “à guisa de provisão de inverno”. Mas ele enfatiza que raramente as gerações dos tempos de glória se dispõem a empreender tal trabalho para seus filhos e netos, uma vez que, durante sua existência, não enxergam necessidade para tal.
Savigny (1946, p 80) ponderava que, na Alemanha de sua época, a ciência jurídica e a técnica legislativas não estavam suficientemente desenvolvidos para que se procedesse à elaboração de um bom código. Ele afirma que os juristas, para bem desempenharem sua função, requerem duas capacidades bem desenvolvidas, quais sejam a histórica e a sistemática. Pela primeira são capazes de reconhecer o que há de característico em cada época. Por meio da segunda podem considerar normas e princípios de maneira a relacioná-los com a totalidade da ordem jurídica. Savigny destaca que essas duas qualidades eram escassas nos juristas de então, haja vista que, segundo afirma, os estudos jurídicos desde o século XVIII direcionavam-se no rumo das investigações filosóficas, descuidando dos aspectos histórico e sistemático. Ele observa que a língua alemã necessitava progredir antes que pudesse ser elaborado um código de qualidade e destaca que tal progresso seria obtido à medida que a ciência jurídica se desenvolvesse dando novo vigor e força ao idioma alemão.
Verificando-se que, atualmente, o direito alemão é codificado, poder-se-ia concluir que Savigny terminou por perder a discussão que polemizou o universo jurídico alemão no século XIX. Entretanto, essa conclusão revela-se precipitada quando observa-se que a codificação nesse país ocorreu somente um século após iniciado a polêmica sobre a codificação. Savigny, se não consegui impedir a codificação do direito alemão, pôde postergá-la por cem anos, período durante o qual a ciência jurídica alemã logrou consideráveis progressos.

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