sábado, 1 de junho de 2013

Competência da Justiça do Trabalho em razão da matéria trabalhista envolvendo servidores públicos


Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar reclamações trabalhistas contendo pedidos de índole trabalhista, mesmo que movidas contra as pessoas jurídicas de direito público interno, quando ausente qualquer prova da incidência de regime jurídico de natureza administrativa.
Retoma-se neste artigo o tema da competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações que envolvam a Administração Pública direta, autárquica e fundacional e respectivos servidores. A reflexão se faz necessária ante o esvaziamento dessa competência em razão da matéria, provocado por equívocos de interpretação que, simplesmente, ignoram a vigência do art. 114, I, da Constituição da República, com novo texto dado pela Emenda Constitucional n. 45/2004, e inadequada compreensão dos efeitos da decisão proferida na ADI n. 2135-4, de 02/8/2007, que restabeleceu a redação original do art. 39 da mesma Carta constitucional, de modo a considerarem a competência da Justiça do Trabalho guiada não pelo critério material, mas sim em razão da pessoa, ou seja, da presença do ente público na relação jurídico-processual.
Indaga-se, no caso, se a Justiça do Trabalho é competente, ou não, para deslindar a reclamação trabalhista movida contra ente público por servidor não formalmente inserido no regime administrativo – comumente denominado “estatutário”.
Em defesa da competência da Justiça do Trabalho, no tocante às reclamações trabalhistas, é preciso não esquecer que ela ainda se orienta pelo critério material, e não meramente em razão da pessoa dos litigantes.
Com efeito, para chegar a tal conclusão, basta que se aprecie o art. 114, I, da Constituição da República, com texto dado pela emenda Constitucional n. 45:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.


Tal conclusão é singela, mas irrecusável, segundo se constata.
O STF, como se sabe, na ADI-3395-6, em 27/01/2005, assentou que a competência da Justiça do Trabalho estabelecida no dispositivo acima transcrito não alcança as “causas que sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo”.
Prestigiou, portanto, a natureza do vínculo jurídico entre Poder Público e servidores, e não a simples presença do ente estatal nessa relação.
Depois, o STF, na ADI n. 2135-4, em 02/8/2007, com expresso efeito “ex nunc”, restaurou a obrigatoriedade de instituição do Regime Jurídico Único (RJU) previsto na redação original do art. 39 da Constituição de 1988, por União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para si, suas autarquias e fundações públicas. Com isso, repristinou aquele comando no sentido de que os citados entes federados “instituirão, no âmbito de sua competência”, tal RJU - entendido, necessariamente, por aquele Tribunal, como o “estatutário”.
Daí a confusão generalizada nos tribunais, relativamente à competência da Justiça do Trabalho, a ponto de entendê-la como sujeita, apenas, ao critério subjetivo, pouco importando a matéria debatida.
Importante ressaltar, de mais a mais, que somente os servidores que ingressam no serviço público mediante concurso público podem ser inseridos ou transpostos para o RJU, conforme reiteradas decisões do próprio STF, uma delas na ADI n. 1150, de 23/3/1995. Os não concursados anteriores a 5/10/1988, amparados ou não pela estabilidade especial contida no art. 19 do ADCT/CF/1988, permanecem no serviço público, mas como regidos pela CLT. E os que burlaram a regra do concurso público prevista no art. 37, II e §2º, da CF/1988, nem mesmo podem nele permanecer, ante a nulidade da admissão, muito menos serem considerados “estatutários”. Essas duas situações continuam sob a competência material da Justiça do Trabalho.
Então, as decisões tomadas nas referidas ADIs devem ser interpretadas em conjunto: as causas que versem relação jurídico-administrativa estão, sem dúvida, fora da competência da Justiça do Trabalho. Outrossim, o Poder Público deve instituir (é isso - “instituir” - que consta da redação primitiva restaurada do art. 39 da CF) o RJU de natureza administrativa. Tal providência depende de lei de cada ente federado. Por isso que o mesmo velho art. 39 fala em “no âmbito de sua competência”. Decisões judiciais, nem mesmo do Col. STF, com toda a sua autoridade judicante, podem substituir essas leis locais instituidoras do RJU. Consequentemente, estarão excluídas da competência da Justiça do Trabalho somente as ações oriundas de comprovada relação jurídico-administrativa.
Registre-se, ainda, que, sem a comprovação da existência e vigência do RJU “estatutário”, e sem a prova de que o servidor reclamante esteja sujeito a esse regime especial, presume-se a relação jurídica submissa à CLT, porque, ao contrário do “estatutário”, esse regime contratual independe de formalidade para se instaurar (o contrato de trabalho tem como característica a mera consensualidade).
Em outras palavras, persiste o critério material a reger a competência trabalhista insculpida no item I do art. 114 da CF.
E, excluídas as causas decorrentes das relações jurídico-administrativas travadas entre o Poder Público e seus servidores, as ações trabalhistas, mesmo ajuizadas contra esses entes públicos, fundadas em relações de emprego, são da competência material da Justiça do Trabalho, como bem explica a doutrina, na voz, por todos, de Amauri Mascaro Nascimento (Curso de Direito Processual do Trabalho, 22ª ed.,  Ed. Saraiva: São Paulo, 2007, p. 221 e ss.).
Em resumo, a competência da Justiça do Trabalho, à luz do art. 114, I, da Constituição da República, firma-se, ainda, em razão da matéria (trabalhista), e não em razão da pessoa. Compete-lhe, assim, processar e julgar reclamações trabalhistas contendo pedidos de índole trabalhista, mesmo que movidas contra as pessoas jurídicas de direito público interno, quando ausente qualquer prova da incidência de regime jurídico de natureza administrativa.

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